“O que é uma ponte? Uma ponte é uma pessoa atravessando uma ponte”. Jorge Luís Borges
Se um motorista cuiabano típico dirigisse na pequena cidade universitária de Viçosa (MG), onde concluí meus estudos de nível médio e superior, muito provavelmente causaria uma tragédia. Em Viçosa, que tem pouco mais de setenta mil habitantes, não há semáforos nem sistemas eletrônicos de controle de velocidade, mas a preferência do pedestre é um fato cotidiano. Não raramente, motoristas dão passagem a pedestres mesmo em locais desprovidos de faixa. Não por coação de guardas ou de câmeras, mas por simples gesto de educação. Voltemos a Cuiabá. Em frente ao Palácio Paiaguas, sede do governo do Estado, um guarda está de prontidão permanente para determinar ao motorista (servidores públicos, em maioria) que pare para dar passagem a pessoas num lugar onde há uma faixa de pedestre suficientemente visível.
A situação deve acarretar sentimentos contraditórios aos envolvidos na cena. Para o pedestre, a faixa privilegiada de repente se apresenta como um autêntico “tapete vermelho”; o motorista deve experimentar a sensação da mão pesada da autoridade; e o cidadão, na condição de motorista ou de pedestre, deve perguntar-se por que é necessário um guarda para induzir uma conduta que, além de prevista em lei, constitui simples gesto de civilidade.
Evidentemente, não há guardas à disposição em nenhuma das outras faixas de pedestre da cidade. E parece que também não há motoristas dispostos a considerá-las. Por qual razão um pedestre deveria utilizar a faixa, se os próprios motoristas a ignoram completamente?
As faixas de pedestres só funcionam em cruzamentos onde há semáforos. Nesses locais, as máquinas são obrigadas a parar para as outras máquinas. A vez do pedestre é um detalhe do intervalo de tempo do sinal.
Diversamente de Viçosa e de muitas outras cidades, Cuiabá não pode prescindir de sistemas eletrônicos de controle de velocidade, pois, entre nós, comportamentos civilizados no trânsito estão mais para a exceção do que para a regra. Aliás, a ausência desses mecanismos disciplinares por vários anos seguidos provavelmente contribuiu para que o trânsito local evoluísse em direção à selvageria atual.
O controle eletrônico de tráfego precisa voltar a Cuiabá. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) o monitoramento de velocidade reduz os acidentes e as mortes em 30% e 60%, respectivamente. Acredito que há outros benefícios, tangíveis ou não: primeiro, cria-se no trânsito uma sensação de que estamos num ambiente regulado, menos propício a riscos, conflitos e competições. Segundo, a redução dos acidentes e mortes deve diminuir riscos e custos das seguradoras e das agências de saúde.
As leis de trânsito no País obrigam as autoridades a instalarem placas que avisam os motoristas sobre a presença de sistemas de controle de velocidade, como os radares. Isso induz os motoristas a um comportamento oportunista: eles respeitam a lei apenas nesses locais; nos demais trechos imprimem velocidade excessiva, ignorando as placas de sinalização. Em muitos países os sistemas eletrônicos que possibilitam a aplicação de multas não são acompanhados de aviso prévio, o que reduz o espaço das condutas mais arriscadas e oportunistas.
Para melhorar o trânsito, as autoridades devem agir em três direções, simultaneamente: primeiro, deve-se proporcionar condições adequadas de fluidez e segurança para todos os tipos de usuários, com prioridade para o transporte coletivo e com ênfase na redução de riscos. Isso requer medidas de engenharia, como viadutos, sinalizações adequadas, passarelas, restrições para carga e descarga e sistemas eletrônicos aptos à aplicação de multas; segundo, há que se aplicar a “tolerância zero”, para pequenos ou grandes delitos. Terceiro, é preciso implementar medidas adequadas de educação para o trânsito, inclusive para fins de habilitação. As atuais campanhas educativas têm enfatizado os aspectos negativos das condutas indevidas. Talvez seja hora de mostrar os aspectos positivos das boas práticas no trânsito.
Um trânsito que possa fluir em um ambiente de paz, cortesia e risco mínimo é uma das mais poderosas impressões que uma cidade pode deixar em seus moradores e visitantes. É um indicador de qualidade de vida, embora difícil de precisar. Tomara que a Copa de 2014 nos inspire e nos anime a promover as mudanças necessárias. Para o nosso próprio bem, não para “inglês ver”.
* EDMAR AUGUSTO VIEIRA, mestre em economia e gestor governamental (Seplan/MT)
edmar.gestor@gmail.com
Fonte: http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=352791 (acessado em 22/07/09)
Nenhum comentário:
Postar um comentário